Em tempos difíceis, de ódio, de não reconhecimento do outro em nós mesmos ou de todos para si, faz-se necessária a compreensão de como a vida psíquica que conhecemos, com seus conflitos, sofrimentos, desejos e o modo como os indivíduos adotam certos tipos de comportamentos e recusam outros é uma produção dos afetos que são mobilizados a partir de certos circuitos de interesses políticos que não circulam, como diz Safatle em seu livro, O circuito dos afetos de 2015.
Neste post será apresentado como são estabelecidos os afetos por meio das relações verticais (as figuras de autoridade) que não dizem respeito apenas à vida individual dos sujeitos e suas relações mas servem como base de sustentação para uma adesão social, pois a vida social e a experiência política produzem e mobilizam todos afetos.
Os afetos Freudianos, representantes das pulsões, são produzidos por algo que vem do exterior, com o objetivo, muitas vezes, de bloquear expectativas emancipatórias. Como o Medo e a Esperança que advém das relações com figuras de autoridade por meio do processo de identificação que é o fundamento da vida social.
A estruturação do aparelho psíquico, se dá nas três séries de formações inconscientes, sexuação, identificação e filiação, o fantasma fundamental, em termos freudianos. Essa matriz possui tamanha relevância porque suas estruturas comandam a disposição dos desejos. Na medida em que os desejos tendem para a realização de ideais, o fantasma fundamental coloca para o sujeito enigmas e problemas que invariavelmente estão além de sua capacidade de resolução. Os desejos podem ser compreendidos pela explicação do termo vivência de satisfação.
De acordo com o “Vocabulário de psicanálise” de Laplanche e Pontalis (2016), na teoria de Freud, entre 1895 e 1900, encontra-se o conceito de vivência de satisfação, não muito usual, mas esclarecedor, seria um tipo de experiência que consiste no apaziguamento, no lactante, de uma tensão interna criada pela necessidade, graças a uma intervenção exterior. Criando-se então uma imagem do objeto satisfatório, que assume um valor eletivo na constituição do desejo do sujeito.
Essa vivência de satisfação está ligada ao “estado de desamparo original do ser humano”, a satisfação passa a ser ligada à imagem do objeto que proporcionou a satisfação; por isso existirá sempre o reinvestimento da imagem do objeto causando à percepção uma satisfação alucinatória do desejo, sendo assim sempre que houver o aumento da tensão e a busca de seu alívio, com o objeto satisfatório real, haverá uma ligação com o modelo da satisfação alucinatória primitiva, pois o conjunto desta experiência – satisfação real e alucinatória – constituem a base do desejo, são as formações de compromisso que, Freud assinalara já, caracterizam o sintoma psíquico.
O Sono – Salvador Dalí – 1937
A falta de identificação caracteriza um desamparo psíquico no indivíduo, faz surgir dois afetos que sempre permearão o caminho da libido, o medo e a esperança. O medo de perder o objeto amado e a esperança de reviver no desejo atual o desejo real, como na primeira vivência de satisfação. Esse desamparo produz uma insegurança ontológica fazendo com que o indivíduo não seja capaz de possuir um firme senso da própria realidade, identidade, e desenvolver autonomia. Sem uma determinação positiva e normativa da condição de sujeito, o indivíduo não possui também a capacidade de reconhecer tais demandas no outro. No desamparo do indivíduo encontra-se a necessidade de reconhecimento, pois o que permeia o indivíduo é a impotência. Ele não é agente de si mesmo e não se determina, depende do Outro, da autoridade, da regulação. Da culpa.
Um indivíduo que se encontra desamparado e impossibilitado de desenvolver seu próprio ser não possui desejos individualizados, não é singular e não se diferencia é somado a massas estereotipadas com muita facilidade e se torna dependente de uma figura paterna idealizada.
Um mito, que o enganará e o controlará como marionete que propaga absurdos. Freud em o Mal-estar da civilização, 1929, afirma que quando as estruturas sociais deixam de ser simbólicas revelam suas regras nas expressões encarnadas de seus representantes o que podemos presenciar no atual cenário político.